Fui assaltada!
Fui mexida. Remexida!
Sou? Estou?
Vou pra onde?
Por que? Pra que?
Tem que ser assim mesmo?
Quem disse?
Quem fez?
Quem o mandou pra lá?
E porque aquela cachorra tinha que contar daquela forma?
Por que Sophe não se apixonou por ele?
E se ele a convidasse pra dar uma volta na lagoa, ou para ver o pôr-do-sol no hotel Globo? Ou quem sabe se ele tocasse para ela uma música do Chico Buarque? E se a levasse para Marte?
Aquele chefe devia se aposentar!
Para onde eu vou?
Para onde ao certo eu não sabia, só sabia que não era pra casa.
Fazer o que em casa com tanta loucura na cabeça? Ficar louca?
Mas quem disse que eu não sou? E quem te garante que você não é?
Saí assim do Theatro Santa Roza na noite chuvosa que resolvi voltar ao teatro quase dois anos depois para ver “Diário de um louco” peça do Grupo de Teatro Lavoura, dirigida por Jorge Bweres e interpretada por André Morais.
Chego no teatro e aquele fala fala com todo mundo, e o esperado sinal para entrar, pela lateral do teatro! Na entrada várias cartas, a sensação de invasão já é grande, estou mexendo na caixinha de cartas de alguém. E isso não pode! Pois o que tem nas caixinhas de cartas de alguém só diz respeito a este alguém, seja lá quem for. Ler um diário? Tá louco? Mesmo que seja de um louco! Não pode, isso é invasão e das sérias! Sempre fui menina de fazer diário, e morria de medo que alguém lesse, e soubesse o que eu pensava sobre as coisas, pois o que eu queria que as pessoas soubessem, eu mesmo contava, meu medo que as pessoas lessem minhas besteiras de adolescente era tão grande que eu inventava códigos pra representar as letras que às vezes, nem eu entendia, esquecia. Bom, mas contando que ninguém lesse também, tava tudo certo.
Entro. Sento.
Entro. Sento.
Uma ambiência que aconchega e assusta! E ainda tinha um homem parado, esperando alguém ou seria algo? Fiquei cabreira com aquele cara, na mesma medida me dava medo, ele me atraía pra conversar. Eu podia fingir que não o estava vendo, talvez ele fosse embora. Mas eu não conseguia, e assim ele não ia. Ficava só ali, parado, olhando, esperando, esperando o que? O trem? Tal qual Pedro Pedreiro? Era além. De repente aquele homem aparentemente normal, começou a ler seu diário, e eu tive vontade de dizer: Ei moço, tem certeza que vai fazer isso? O senhor confia mesmo em mim? Vai dizer tudo que o senhor secretamente escreveu aí? Eu vou saber tudo o que se passa dentro de sua cabeça, e isso é muito sério viu? Mais que sério, isso é muito perigoso!
Ele não me ouviu, talvez tenha sido porque eu nada falei, pois já tinha sido pescada, fisgada, amarrada, seduzida, tocada, sensibilizada, trancafiada. Sei lá o que. Vocês podem dar a palavra que vocês quiserem para o estado que eu me encontrava. Eu já não me importava, não me importava nem mesmo se ia está chovendo quando aquele confessionário terminasse e eu tivesse que ir pra casa ou pra qualquer outro lugar. E o homem não parava, contava tudo, das coisas mais íntimas, da cachorrinha que era mais louca que ele, da sua paixão por Sophe. Do seu chefe desumano. O cara ali na minha frente, bem na minha frente ficou louco. Virou Rei da Espanha. Foi coroado da forma que nenhum rei seria. Eu também tinha muita dificuldade de entender aquele ritual de coroação. Foi anulado quanto ser humano ali, bem na minha frente! E o pior é que eu não fazia nada!
É mais ou menos por aí, que eu começaria minha crítica teatral, se crítica de teatro eu fosse. Como não sou, sou apenas atriz, estudante e amante mais que apaixonada por teatro, vou dizer que tenho muito orgulho do teatro da minha terra. Dizer que vale muito a pena sair de casa mesmo em uma noite chuvosa, para ver, se emocionar, se revoltar, chorar e aplaudir de pé André Morais, Jorge Bweres e Tina Medeiros por este trabalho, que belíssimo! Se o trabalho dignifica o homem, este pessoal tá muito bem dignificado, viu?!. A peça concatena poesia, teatro, vida e verdade. Quanto atriz fico muito feliz em ver um ator tão entregue em seu ofício de atuar, se por em situação de verdade, de se entregar ao jogo, que por ele e seu diretor foi criado, e mais que se entregar ainda ter força e capacidade de nos levar junto. E sem esforço, não há aparente esforço em nos levar, quanto atriz, eu sei também que há um esforço sim e muito grande nesta entrega, que ela é resultado de muito trabalho, de muita aflição no processo de criação, mas não força nenhuma barra. Apenas chega e com muita técnica e naturalidade, se conta uma história. É lindo ver um ator em cena utilizando-se de técnicas, se vê a sua técnica em cena sim, mas sem ficar mecânico. Não se é mecânico em momento algum, eu confesso que morro de medo da técnica, morro de medo dela me endurecer. Morro de medo de não conseguir o que André consegue, lembrar das técnicas sem esquecer a personagem. Falo mais no trabalho do André por ser atriz e por achar que “Teatro é a arte do Ator”. Mas os outros elementos do espetáculo são igualmente belíssimos, a luz sensível de Jorge Bweres que nos leva para vários lugares, realizam efeitos delicadamente maravilhosos. A música que está sendo operada por Tina Medeiros, entra e sai sem agredir, e quando fica em cena, é cúmplice do ator, não disputa com ele, sabe que tudo aquilo é um conjunto, e que no fundo, todos querem mostrar aquela personagem e sua verdade, e isso se fazem muito bem!
MERDA PRA TODOS VOCÊS!
Sou apaixonada por estes loucos!
Sou apaixonada por estes loucos!
Suzy Lopes
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